Não se deixe sossegar, Carlos...

E lá estão eles prontos para aprontar seus defeitos e afirmarem cheios de convicção o quão errado você está. Porque você está, Carlos. Você está na lista dos seres humanos com erro de fábrica, e é, portanto, um caso talvez sem cura para uma sociedade programada ao sucesso.

Sim! Pode acreditar que neste momento alguns deles estão a sussurrar sua estranheza, enquanto os outros ouvem com entusiasmo. Eles escarnam seu gosto musical, falam de suas roupas e procuram entender o que acontece em sua cabeça ao deixar uma agitada noite de festas pelo sossego de sua casa e o prazer do silêncio.

Abomina seus livros, meu caro Carlos. Quem perderia seu precioso tempo lendo Machado? De nada vai te ajudar! É preciso praticidade, meu bom amigo. Dinheiro. Fama. Prestigio social, é disso que se faz um ser humano, e não de letras, de folhas. Literatura não constrói caráter, perde-se tempo.

Tira essas músicas de velho e ouve aquilo que presta de verdade. Ouve uma boa música, dança, porque música de verdade tem que te fazer dançar. Não, Carlos, pra que pensar ao ouvir uma música? Refletir? Que idiotice. Tem que dançar, mexer o corpo.

É, meu amigo! Eu já percebi que eles são muitos e que nós somos um quase nada. Não há compreensão. Aceitação. O que existe é o falso moralismo de pessoas corretas e de bom caráter. Eles postam. Exibem-se, finge aceitar a igualdade, o amor ao próximo. Fingem, porque nasceram pra isso. Mas nós, meu caro Carlos, nós os estranhos seres humanos sabemos que por trás das boas máscaras existem homens rudes, tolos e rasos de caráter.

Portanto, meu bom amigo, não se deixe sossegar...