Cl(amor)es


Vem, Zé! Senta aqui enquanto te preparo um (doce) café. Tira os sapatos e as amarras, desabotoa a camisa e as palavras, e se desejar sentir o vento morno pode abrir à janela, a porta, a vida. Calma, que logo a lua aparece e a noite fica mais branda, e de todas as escuridões, a única a ser vista será a que te mostrarei por meio das minhas palavras, dos meus medos, dos monólogos que sozinha transformo em poesia.   
Ta! Sei que meu café não é dos melhores e que você provavelmente não vai compreender o que digo, sei também que sou estranha e que minhas manias te perturbam. Mas calma, garanto que aos poucos e por partes você vai entender o que digo, o que sinto e por fim, meu silêncio.
Porque meu silêncio tudo diz, tudo grita e abre as comportas dos meus sentimentos. Meu silêncio é o som agudo dos meus suplícios, dos meus dramas existenciais e de tudo aquilo que não existe compreensão. Meu silêncio me aceita, Zé, sem questionamentos e dedos postos a acusações. Mergulho no meu silêncio e afogo-me em ondas calmas, e então vou entendendo que não é individualismo, depressão ou um estado crítico de melancolia, mas sim aceitação. Aceito que o mundo é raso e que sou muito, aceito que eles vêem, porém não enxergam, e por fim aceito que palavras não são suficientes pra corações que não sentem.
Engraçado, Zé! Há um mundo lá fora de seres complexos tal como (ou até mais) que eu. Vejo olhares vagos, e seres que amam o sofrimento. Vejo o amor em seu estado líquido, raso, POUCO. Homens que amam corpos e não alma. Mulheres que são corpos e não alma. A humanidade programada ao fracasso sentimental. E rio. É Zé, eu morro de gargalhar, perco o ar, choro e contorço meu corpo de risadas já que as lágrimas cessaram. Tudo está secando em grande rapidez; água, lágrimas e amor.
Mas calma, tome um pouco mais de café e veja a lua lá fora. Linda, não? A lua que desde os primórdios confidencia dramas amorosos, lágrimas jogadas ao travesseiro, poetas bêbados e versos melancólicos. A lua –branca e bela como só ela consegue ser-, olho-a e me sinto um pouco lunática, noturna, uma mistura meio caótica de escuridão e mistério.
Calma, prometo não recitar nenhum poema, nem fazer alusão a noite que silenciosa caiu sobre nossos ombros. Mas posso te fazer outro café ou se quiser abriremos um vinho. Tomamos um vinho enquanto lá fora o mundo grita suas dores sobre a forma de sorrisos. Um vinho e aceitação. Sim, Zé, vamos beber e aceitar que não há salvação para nossas almas conturbadas de estranheza e recato. Um vinho, sim? E deixemos o mundo porque o mundo já nos deixou.  

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