Inverno, 1972

Não me perguntem o que me faz escrever isso, pois não consigo encontrar motivos concretos para explicar essa súbita vontade que apoderou-sede mim. Sei apenas que necessito escrever. Mesmo que isso me leve à escuridão noturna. Aos gritos do vento. E a todos os meus temidos medos.
Nesse momento o vento bate furioso na janela, e quase não posso escrever essas poucas linhas. Tenho medo da chuva que se aproxima, assim como temo que a vela que me ilumina apague por completo, deixando-me na escuridão.  Meus dedos tremem, e posso sentir o meu coração acelerado, nervoso. Aflito.
Sei que nesse momento todos dormem. E que provavelmente as crianças não acordarão com o barulho da chuva batendo no telhado, ou com o vento gritando do lado de fora, querendo entrar pelas janelas. O que me faz temer na verdade não são as crianças, não é a chuva, a escuridão, ou o vento triste que geme seus lamentos pelos campos a fora. Há apenas uma coisa que me faz temer, e essa, porém talvez durma nesse momento, ou esteja escondido em algum vão da escuridão. Observando-me. Ele é o único que faz minha mão tremer em cima desses escritos que preciso esconder diariamente, por puro medo. Medo de que ele os leia. De que tire de mim a única coisa capaz de me libertar. É por esse motivo que diariamente mudo o seu esconderijo. Dias o coloco em baixo da cama. Dias o deposito dentro de uma caixa, e o escondo entre as folhas secas de uma arvore. Já o escondi em lugares inimagináveis, como também já escrevi em horas impróprias. Enquanto todos dormiam, nas madrugadas escuras. Nos campos habituados por seres invisíveis. Faço isso por necessidade, pois não posso mais viver sem esses escritos tão tolos, porém que é a salvação da minha alma. Que me libertam da dor de ser o que sou. Sei que ele jamais entenderia. Que suas duras e constantes palavras me machucariam se descobrissem que escrevo, e que a principalmente nesse diário paginas e mais paginas escritas sobre ele e a sua dura personalidade. Por esse motivo escondo a minha libertação dos olhos alheios e principalmente dos temidos olhos daquele homem tão intocável de amor.
A chuva começou a cair, e seu barulho no telhado é tão forte que talvez acabe acordando alguma das crianças. Terei que cessar os meus escritos. Algo me diz que já passam das três da manhã, e sendo assim logo ele acordara para dá inicio ao seu árduo trabalho. Volto a escrever amanhã. Novamente enquanto todos dormem. Só espero que a noite que virá me contemple com uma bela e maravilhosa lua cheia, pois sendo assim poderei escrever guiada por sua luz. A lua é a única que sabe do meu segredo. Ela é a única companheira. 

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