À Louisa Clark
Por um momento achei que não voltaria a
escrever algo endereçado a ti, por mil e uma razões que, neste momento,
confesso não saber expressar. É que às vezes, Lou, as palavras somem de uma
forma inexplicável, como se a pressão de nossos silêncios transformasse tudo em
um amplo vácuo de palavras, sentimentos, mas, sobretudo, de reflexões. E então
você acaba meio oca, vazia, sem palavras ou contextos que, de alguma forma,
seja capaz de expressar consideravelmente seus sentimentos. Acho que você
entende o que estou tentando dizer, não entende?
Tudo bem, Senhorita Clark, talvez
tenhamos que ir por partes, dividindo esta carta em pequenas vitorias e grandes
dores. Eu sei que você não terá pressa alguma, terá? Claro que não. Afinal,
quem melhor que você sabe o verdadeiro significado da palavra espera? Foram
meses, seis, se bem me lembro, e eu via você transformando os dias em pequenas
esperanças, valorizando as curtas e pequenas vitórias, até o último instante,
até o último suspiro. Você não pensou, nem por um segundo, em simplesmente
desistir como quem abre mão de algo que não lhe pertence de fato, e seguir, ainda que aos
tropeços, sua pacata vida de moça interiorana. Mas você não fez isso, e sei que
jamais, em hipótese alguma, faria. Porque afinal de contas, você faz parte
daqueles que sentem demais e que quando se entregam aos seus sentimentos, são
razoavelmente tolos para refletir sobre o que quer que seja.
Eu entendo.
Na verdade, quisera eu não entender nada
disso e muito menos estar escrevendo uma carta que reafirma em alto e bom tom,
minhas fraquezas. Quisera não entender sua espera, muito menos sua ânsia de que
no último segundo ele opta-se por ficar, por tentar. Quisera Louisa, ser como a
Treena; prática, forte, decidida e até um pouco arrogante, mas a questão aqui,
é que nesta história a moça que te escreve parece tristemente com a Louisa que
nunca lerá essas linhas.
Tudo bem. Ouvi dizer que escrever
alivia. Estranho, porquê escrevo todos os dias e ainda sim, sinto como se fosse
cortar os pulsos ou pular de algum prédio (embora não haja nenhum nesta pequena
e míope cidade). O fato é que escrever pra você me faz perceber que posso escrever
para mim, você entende? Sem pretensões, palavras de grande porte, sem aquela
velha importância que damos quando estamos fazendo algo pequeno para alguém
muito importante. Você Lou, não é importante. Eu, não sou importante. A vida?
Está deixou há tempos de ser importante para torna-se um filme, daqueles em
preto e branco onde as personagens, ainda que conversem, não são ouvidas. E
desta forma o filme vai acontecendo, as pessoas caminhando, trabalhando, rindo
sem que se ouça risada alguma. Mas exibindo nas entrelinhas uma leve tristeza. Como têm que ser um
filme preto e branco.
É assim que tem sido os meus dias, Lou.
Mas acho que devo confessar que pior do que viver em um filme preto e branco é
sentir que está partindo, antes mesmo de dá o último e eterno suspiro. Sabe o que
consegue ser ainda pior? É sentir que não faz parte de absolutamente nada, assim
como você disse numa certa noite: é como
se todos tivessem te deixado para trás. Eu me sinto assim. Eu me sinto,
Clark, abandonada em mundo de gente que só espera de mim o que eu não posso
oferecer, simplesmente por que estou quebrada, desconfiada, arrisca. Magoada,
dolorosamente magoada.
Talvez o meu otimismo interno tenha por
alguns segundo me feito acreditar que posso sim, que devo arriscar, que no
fundo, entregar-se não é sinônimo de estar entre os dedos de alguém, mas nas
entrelinhas de seu coração. Como sou ingênua, não é mesmo, Clark? As pessoas
querem tirar de você aquilo que desejam, como carros velhos, mas que ainda
possuem objetos de valor. Eles sabem que você (no caso, o carro) não funciona
como os demais, pois está velho, desgastado e com marcas de tempo. Mas mesmo
assim te abrem (o carro), te exploram, e com um cuidado de gênio encontram resquício
(peças raras) e as tiram de você como se elas não te pertencessem. E você (o carro)
sente-se ainda mais oco, mais doente, desacreditado.
E então, eles se vão.
Você não possui nenhuma outra serventia
que não a realizada. Deixam-te amargurada em um beco qualquer (como fazem com
os carros) e você precisa impor uma força porque afinal de contas, sua família,
seus amigos, a sociedade espera um sorriso alegre de alguém que está bem.
Mas você não está bem. Você jamais
ficará bem, porque não há mais nada que supra isso, senão os remédios e a doce
ilusão trazida por eles. Mas do que adianta dizer? Não, Louisa, sejamos diretas
e realistas, não adianta nada sair por aí maldizendo o mundo e sua (nossa) dor.
Estamos bem, não estamos? Afinal de contas, saímos, trabalhamos, rimos quando
necessário e sabemos fingir. O que mais os outros querem além de alguém que
sabe muito bem esconder sua tristeza?
Porém, somos como carros jogados em um
ferro velho. Levaram as peças de grande valor e deixaram para trás a carcaça, abandonaram, Louisa, a nossa espera de dias melhores e menos sombrios.
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