Um breve relato sobre partidas


Era de se esperar que as coisas acontecessem da forma não predestinada. Afinal, quem poderia culpar os sonhos por não se realizarem? Quem, neste universo o culparia por jogar sua alma a uma escritora de lápis branco? Nem ele sequer a culpava. Se havia mesmo um réu que fosse ele. Estava pronto para assumir a culpa e jogar-se ao desalento, a melancolia, a solidão.
Mas ela estava ali. Restos de uma presença que doía preenchia todo apartamento. Na sala a correspondência esquecida, no quarto o livro jogado na cabeceira. Algumas roupas, o perfume pela metade. O bilhete colado na geladeira  escrito “Volto às seis. Com amor, T.”
Era a dor se fazendo memorável, sentida. Dolorosamente sentida. E não havia uma explicação plausível, algo que afirmasse, contestasse, fizesse prova a esse fato irrefutável; Ela se fora!
O mundo lá fora escurecia sob o peso do ser, enquanto ele tomava mais um gole de seu whisky. Ela se fora! Nem sequer uma mensagem, uma briga, uma porta batendo e um adeus aos gritos. Tudo aconteceu no mais dolorido dos silêncios. E o que ficara era dor. Tudo era dor. Ver, sentir, ouvir. Porque ele não sabia mais o que era existir sem aquela presença, e agora na ausência o seu sentir se transformara em angustia.
Ligou. O coração palpitava, as mãos tremiam, porém não houve uma segunda voz, um “alô, foi tudo engano, estou voltando pra casa, pra nossa cama, pra vida que escolhemos juntos e juramos ir além da eternidade.” Ele esperava, ansiava, desejava. Daria sua vida pela voz doce e anestésica, mas ela não veio.
Desligou o telefone. O silêncio se fez grito, as sombras do apartamento fantasmas. Estava sozinho. Sozinho com seu buraco no peito e a sensação de estar fragmentado em mil. Não era mais homem, era dor, solidão.

Desligou todas as luzes, abriu as janelas pra noite. Lá fora o mundo transcorria em sua caoticidade. Sentou no sofá, virou em goles profundos o resto da garrafa de whisky, acendeu um cigarro e chorou. 

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