Devoro-te
Tu
vais chegar numa manhã de sábado com o cabelo ainda bagunçado e os olhos
pesados de sono. Pedirei-te pra entrar e oferecerei um café. Sentaremos-nos à
mesa da cozinha e com calma permitiremos que nossos olhos cruzem a imensidão das
nossas palavras não ditas, dos nossos erros, das falhas humanas de nossos
corações. Tu reclamaras do meu café, dirá que está muito doce e afirmará que
não sei preparar um café decente. E eu irei rir de tuas reclamações já
costumeiras, rir da tua cara, do tom da tua voz, e de ti, que mesmo a reclamar
continua com a xícara cheia, beliscando aos poucos o negro liquido que te ofereci.
Enquanto
isso deixarei que o silêncio confesse nossos erros, os acertos e a
complexidade de nossos corações. Tu vais estar a repetir uma nova xícara de
café mal sabendo que eu também te tomo aos goles, com calma, deliciando com o
doce gosto de uma existência pouco conhecida. Porque eu te desvendo sem
precisar tirar sua roupa. Tua alma se mostra aos meus olhos na mais integre das
perfeições.
Vejo-te
longe dos paramentos. Das comparações. Vejo-te sem máscaras, sorrisos
forçados, sem atitudes propicias ao convívio social. Tu és nesse momento um ser
que ama com medo de errar a cada passo dado. Tu amas, sobretudo! Amas o amor
que têm no peito. Esse amor louco, inconsequente, e que poucos –quase nenhum- dos
teus consegue compreender verdadeiramente.
Ri.
Falas alto. Brinca com todos e para todos tem palavras otimistas. Mas tu és
complexo. É pensamentos embaralhados nas noites de insônia. É sonho acordado. É
medo de não conseguir ser o que os outros precisam. Tu és acima de tudo e de
qualquer fato, medo! Teme abandono, solidão. Teme ser a última das opções a ser
escolhida. E teme amar e ter como recompensa o vazio.
Compreendo-te.
Tu és neste instante de uma manhã de sábado silêncio, mas ainda sim ao olhar
teus olhos que desviam dos meus eu decifro tua complexidade. Eu amo teus
abismos. Amo tuas falhas, tuas tortas tentativas de acertos. E compreendo.
Então
fica. Vamos ver o fim deste sábado, o início da noite, a nova manhã de um
domingo que surge sobre o frio da madrugada. Fica. Podemos começar nossa semana
dividindo a mesma cama. Faço-te cafuné enquanto dormes. Leio poesias. Falo do
mundo. Prometo não reclamar, mas fica, permita-me desvendar teus olhos. Serei o
cheiro que teu corpo precisa. Fica, ainda que eu não saiba fazer um café do teu
agrado, por ti aprendo o certo. No café, na vida. No amor.
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