Um estado de espírito


"Acordei talvez às três. Ai, está a começar, está a chegar...o horror...fisicamente, como uma onda dolorosa crescendo junto do coração...que me ergue. Estou infeliz, infeliz! Que me afunda...Meu Deus, quem me dera estar morta. Pausa. Mas porque estou eu a sentir isto? Deixa-me olhar para a onda que sobe. Olho. Vanessa. Filhos. Fracasso. Sim; detecto-o. Fracasso, fracasso. (A onda sobe.) Ai, eles fizeram troça do meu gosto por causa da tinta verde! A onda rebenta, violenta. Quem me dera estar morta! Tenho só mais alguns anos de vida, espero eu. Já não consigo enfrentar mais este horror...( é a onda estendendo-se sobre mim). Isto continua: várias vezes, com várias espécies de horror. Depois, na altura da crise, em vez de a dor continuar intensa, torna-se bastante vaga. Dormito. Acordo num sobressalto. A onda novamente! A dor irracional: a sensação de fracasso; como, por exemplo, o meu gosto por causa da tinta verde, ou comprar um vestido novo, ou convidar o Dadie a vir cá passar o fim- de- semana.
Por fim digo, olhando tão desapaixonadamente quanto me é possível: vá lá, domina-te. Já chega. Raciocino. Faço um recenseamento dos felizes e dos infelizes. Enteso-me e empurro. atiro, quebro. Começo a andar cegamente em frente. Sinto obstáculos, afundo-me. Digo que não importa. Nada importa. Fico rígida e direita e volto a adormecer, e quase acordo e sinto a onda a começar e olho a luz que fica branca e pergunto-me como será que, desta vez, o pequeno -almoço e a luz do dia a irão dominar; e depois ouço o L. no corredor e finjo, tanto por mim como por ele, uma grande animação; e em geral já estou animada quando o pequeno-almoço termina. Passará toda a gente por este estado? Porque terei eu tão pouco controlo? Não é digno, nem amorável. É a causa de muito desperdício e dor na minha vida."

Virginia Woolf

Comentários

Postagens mais visitadas