(Re)tornos



Folheio um romance daqueles clichês, que qualquer moça, com um pouco de romantismo tiraria algumas horas do seu dia para desfrutá-lo. As palavras, no entanto, parecem borradas e não compreendo-as por completo, apenas em partes, um tanto fragmentadas. Talvez os culpados sejam os donos das vozes que sem pudor, falam em tons maiores que o permitido para aquele local. Talvez, a culpa seja desta senhora que sentou ao meu lado e transferiu a mim, um peso que não me pertence: o de ouvi-la.
Não consigo ler uma linha sequer, este é um fato quase perturbador de ser dito, já que naquele momento tudo que eu desejara era me permitir que as palavras, um tanto clichês eu bem sei, servissem para preencher meu discurso vazio de alguém que têm o arsenal de discursos prontos, mas que infelizmente, aprendeu a silenciar.
A senhora ao meu lado, no entanto continua suas lamentações de mulher desesperada que não sabe o que fazer com a vida. Eu a ouço. Não, apenas finjo ouvi-la com atenção enquanto minha mente mergulha para dentro de labirintos inacessíveis. Penso nas coisas que me fariam bem, como um bom livro, uma xícara de café numa manhã aconchegantemente fria, boas risadas e principalmente, bons motivos para dá-las. Flores. Penso em flores e quase sorrio de satisfação, imaginando seus aromas, cores, vivacidade. Tudo tão diferente daquele lugar, daquela situação...
A mulher se vai e logo serei eu. Estremeço. Volto a pensar nas flores, nos livros, na vida, mas tudo isso agora não passa de uma remota lembrança que não causa em meu espírito nenhuma boa sensação. Serei a próxima – penso com certo pânico – e tudo bem não saber o que dizer. Tudo bem. – repito a mim mesma, mentalmente. A mulher, no entanto, transfere seu discurso para dentro daquela sala e talvez, um tanto minuciosa, ela detalhe sua vida, suas dores, suas quase desistências. O tempo passa. O livro que está entre minhas mãos não tem sentido algum. As flores murcharam. E o dia, infelizmente, não está aconchegantemente frio.
E eis que finalmente a porta se abre. Respiro, ou quase isso, pois tudo parece ter voltado numa grande e absurda proporção. Chorar? Ali? Agora? Não. Caminho a passos apressados e a menos que perceba, estou na sala, sentada, diante dela que com um olhar de pura interrogação, me fita.
- E então – diz ela, corriqueiramente, preenchendo a fixa – Como tem sido os últimos dias?
O mar abre as comportas. Agora sim eu finalmente posso desabar.

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