Eu sou a minha dor


Eles dizem que eu não sou um diagnostico, embora esteja doente, e tal doença consuma dia após dia, minha alma. Afirmam que tudo era uma questão de perspectiva e que eu, a moça dos fundos olhos de tristeza, via as belezas da vida através da feiura do meu vitimismo.
Logo depois, apontam o medo e mandam-me sair do quarto, abrir as portas, trocar de roupa e de penteado. Afinal, eu sou linda, eles afirmam e cheio de convicção dizem que devo passar uma base e esconder estas fundas e escuras olheiras de noites não dormidas e pensamentos inquietos. Uma boa base, sim? Juntamente com um vivo e vermelho batom que desenha em meus lábios cortados pela dor, um sorriso considerado para todos como sociável. Estou linda e pronta. O mundo, definitivamente me espera.
O que eles não sabem é que ontem, enquanto todos dormiam, eu apertei entre meus braços o travesseiro e chorei copiosamente até quase não haver mais lágrimas dentro de mim. Não possuem consciência de que meus lábios cortados são a prova concreta da minha dor não gritada ao mundo. Eles não sabem o quanto o escuro me ampara, me abraça, protegendo meu peito da dor aguda de um sentir quebradiço.
Eu caio todos os dias numa intensidade absurda. Não há lágrimas suficientes ou dores que preencham o buraco que alojou-se em meu peito. Eu caio todos os dias quando acordo e sinto que preciso tomar meu antidepressivo para suportar estar viva. Caio, quando não sinto vontade de sorrir até doer minha barriga ou de chorar, por uma cena de amor. Caio, eu caio quando os remédios não são suficientes e as crises vêm e então eu me exponho. Caio no chão, grito em desespero, perco o ar. Clamo por socorro, pela morte, por Deus e por tudo que seja capaz de me tirar daquele estado, naquela eternidade de segundos.
Sim, eu não sou um diagnostico, embora todos os dias, ao olhar-me no espelho eu não reconheça minha face, mas a face de um alguém cuja doença consume até a última gota de vida. Eu não sou a doença, dirão os otimistas, e a eles eu respondo que sim, eles têm razão. Eu sou o medo de uma crise inesperada. Eu sou as lágrimas já não são contidas. Sou o buraco no peito que cresce dia após dia. O sorriso que não chega aos olhos, eu sou a superficialidade. O negro da noite, os lençóis em desalinho, o travesseiro apertado no peito, eu sou os cortes nos lábios, os antidepressivos, a falta de fé. Eu sou um robô programado para viver seus afazeres, enquanto por dentro tudo se esvai rapidamente.  Um corpo que ainda continua, embora oco, embora seco, ainda que carregue diariamente uma alma insepucra juntamente a um corpo que apenas espera.
Não. Repito, eu não sou o diagnostico dado pelo psiquiatra, sou mais que isso, eu sou dor, moço que me lê. Tornei-me puramente dor em um mundo aonde todos sentem deveras pouco.

Eu sou a minha depressão.  

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