Ela bebeu-me


Eu não sei o nome, não sei qual idade possui ou se nos instantes de silêncio ela ouve Los Hermanos, não sei um dia alguém quebrou seu coração e se na calada da noite ela chorou por amores perdidos. A cor do seu cabelo é um mistério, seu nome poderia ser todos, mas ela não faz parte da massa a qual somos feitos, ela é, individualmente falando, única, portanto, eu confesso que não sei.
Não sei, meu bom amigo, te dizer especificamente quando a vi, sei apenas que era noite, uma daquelas noites em que a lua não está no céu e as estrelas por medo da escuridão, escondem-se. Era noite de mistério, e ela tornou-se um no instante em que rompeu com passos lentos o silêncio de uma noite de abandono.
Sentou, estavamos em um bar e ela sem que eu pedisse, veio até mim. Trazia na boca a acidez de seu vermelho batom e um sorriso que não chegava aos olhos. Me desejou boa noite e antes que eu pudesse respondê-la, a moça bebeu todo vinho que estava em minha taça. O silêncio nos beijou, e durante horas que na verdade não passaram de minutos ela ficou a olhar meus olhos olheirentos e minha fisionomia de quem não vivia há mais de meses.
- Fuma? – Perguntou a moça com voz de veludo e silêncio
- Estou tentando parar... – Respondi cabisbaixo, um tanto envergonhado pela pose de alguém que desiste de algo.
- Entendo! – Foi tudo que disse.
Secamos uma garrafa de vinho, logo mais outra e a moça entre sorrisos furtivos e olhos semicerrados questionou-me sobre minha vida, sonhos e por fim, desilusões. Eu nunca fui de grandes desabafos, sempre achei que deveria chorar minhas mágoas sozinho  e aquela moça –a desconhecida- queria me tirar de mim.
Falei. Ela, ouviu. Ouviu com olhos atentos, lábios vermelhos e ar de quem estava embriagada. Em silêncio ela ouvia o que eu não falava, pois naquela noite eramos amigos de longa data, quase irmãos.
 Mais eis que surgiu o dia.
E sem despedida, aviso prévio ela se foi. Levantou da mesa silenciosa como chegou e atravessou com calma os poucos bêbados que mantinham-se acordados. Ela me deixou. E hoje, anos depois, eu me arrependo amargamente pelo cigarro não tido, pois ainda que brevemente, aquela mulher teria algo meu para levar consigo.



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