A aspirante


Não. Não se sabia se já era madrugada ou se o mundo havia calado-se para que ela ouvisse nitidade a consciência que gritava, bradada, e pedia socorro. O que via, porém, era o silêncio de um quarto escuro, e pela janela a primeira lua cheia do mês a penetrar seus raios prateados sob o chão do pequeno e amontoado cômodo. 
Seus olhos não conseguiam decifrar o ambiente, porém ali tudo era conhecido. Cada pequena parte tinha um grande significado, uma simbologia. Era o seu mundo transporto em quatro paredes e a bagunça de seus livros. Romances. Contos, e muitas poesias. 
Mas tudo naquele momento era silêncio. O mundo havia calado-se para ouvi-la enquanto ela própria procurava decifrar seus gritos internos, suas angustias. Sua incapacidade. Pois era um ser solitário buscando no burburinho uma compreensão que lhe fora roubada. 
Precisava, portanto, compreender-se. 
Caminhou pelo escuro, seus pés tocavam o chão frio enquanto ela própria juntava-se ao frio proporcionado pelos raios prateados de uma lua que a observava calmamente. Ambas entendiam que o silêncio era um grito jogado no nada. 
Tateou pelo quarto a procura de algo que a iluminasse naquele momento. Pouca luz, porém suficiente para o que pretendia. Não, não desejava ser vista, nem tão pouco ver o mundo que a cercava, queria apenas uma vela, esta sim seria suficiente. Encontrou-a. Acendeu, e então com o lápis e um pequeno caderno deu início a sua salvação:

"Estou me afogando em águas negras e profundas! Meu corpo está cansado. Sinto frio. E tudo a minha volta é escuridão. Mas enquanto isso vejo a vida seguir para muitos, eles caminham, traçam seus objetivos, amam, sofrem e morrem, porque no final tudo é igual para todos. A morte é iminente. Porém, estou me afogando e sei que chegará o momento que não retornarei do fundo deste rio negro e espesso. Vou me tornar parte dele. Água, talvez. Pedra, quem sabe. Deixarei de ser humana e me tornarei negra como a noite que envolve minhas palavras, e ainda sim o mundo vai continuar sua caminhada. Todos a procura do bem ideal, mau sabendo que no final disso tudo só existe a morte. Vamos todos para o fundo do rio. Todos para a mesma escuridão."

A lua continuava a presenteá-lhe com rajadas de brilho prateado. A moça terminou seus escritos, caminhou em passos calmos até a janela a procura do único ser que no silêncio conseguia compreender seus gritos. Lua e mulher, ambas iguais. Silenciosas. Misteriosas. E com a escuridão a sua volta. 

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