A hora da estrela

Oitenta e quatro folhas. Páginas inteiramente escritas. Poucos diálogos sóbrios. Oitenta e quatro paginas, algumas silenciadas. Sozinhas.
Conheci-a nestas oitenta e quatro páginas e apaixonei-me por ela nas primeiras três linhas. Seu nome foi um mistério enquanto meus olhos não a descobriam, e mesmo assim, mesmo no silêncio daqueles que nada dizem, no silêncio de todos os nossos pecados, eu a amei no âmago do meu peito.
E ela que nada pedia ao mundo, ela que não chorava, pois não era triste nem feliz, ela que não sorria, não amava, não sentia. Ela que não falava, não pensava, não sabia, ela que viva a existência eterna de quem pensa que nunca morrerá. Ela que era simples, complexa, mulher e menina, ela que não é nada.
E fui então me encantando por uma desconhecida sem identidade, por uma ternura quebrada, por uma alma sem pudor. Eu vi naquela mulher, naquele ser imortal o espelho da minha própria alma. Eu me vi em seus olhos grandes, escuros. Inexpressivos. E já não era eu que lia, mas sim aquela que fazia parte da história. Eu me tornara a própria estrela sem brilho. E sentia que por ela crescia uma ternura maternal. Queria acalentá-la em meus braços, servi-lhe quem sabe um café quente, conversar sobre o nada, o oco, a solidão. Ela que me entende, que me olha de dentro, que me conhece e sabe o que passo, o que sinto o que sou. Ela que viveu sempre dentro de mim. Ela, cuja estrela é maior que a escuridão noturna.
E eu, que já não sei a que identidade pertenço. Pergunto-me o que sou o que faço aqui, por que vivo.

 Eu, que ao ler a história daquele ser inocente acabei tornando-me a própria Macabéa. 

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